Transposição do São Francisco: seca de 1877 foi uma das piores!
Transposição do São Francisco: seca de 1877 foi uma das piores!
Crianças retirantes da Grande Seca na província do Ceará, em 1878 |
Em 1877 teve início, no Nordeste, uma das piores secas já
registradas no Brasil. Ela durou três anos e atingiu a região que hoje abrange
6 estados nordestinos mais o norte de Minas Gerais. A província do Ceará foi a
que mais sofreu com a falta de água. Mais de 20% da sua população, que tinha na
época 800 mil pessoas, deixou a região, procurando refúgio na Amazônia, outros
10% teriam morrido. Os cálculos não oficiais da época estimam que 500 mil
pessoas pereceram em decorrência da seca.
A seca no Nordeste do Brasil é um fenômeno recorrente, de
causas naturais, já que a área tem uma variação climática muito grande. Segundo
os meteorologistas, ela ocorre quando a chamada zona de convergência
intertropical (ZCIT) não consegue se deslocar até a região Nordeste no período
verão-outono no Hemisfério Sul, sobretudo nos períodos de El Niño, o fenômeno
climático que atinge regularmente o sul do Oceano Pacífico.
Apesar de outra seca considerável ter atingido a região nos
anos 1844 e 1845, o império não tomou providências que pudessem amenizar os
efeitos da falta de água em futuros períodos de estiagem. Assim, a população
foi pega de surpresa na seca de 1877.
Os mais ricos tinham condições de deixar os locais em que
moravam para procurar abrigo junto a parentes ou amigos que residiam em serras
ou no litoral. Os adultos iam montados nos cavalos seguidos pelos carros de
bois cheios de mulheres, crianças e bagagens, tendo na retaguarda os vaqueiros
e os ajudantes conduzindo o que restara do gado.
O êxodo do sertão, naquela época, foi caracterizado pela
perseguição dos mais pobres. Eles seguiam a pé, nas estradas precárias da
época, levando nos ombros as crianças menores, puxando o que restava do rebanho
de cabras ou vacas. Chamados de retirantes ou flagelados, eram perseguidos e
expulsos quando estacionavam nas vizinhanças de um povoado.
Saques se tornaram frequentes. Comércios e armazéns eram
protegidos à bala, como rotineiramente acontecia. As cidades, além dos vales
férteis, ficavam apinhadas de flagelados.
A cidade de Aracati, no litoral sul do Ceará, passou de cinco
mil habitantes para mais de 60 mil pessoas. A capital da província, Fortaleza,
tinha 21 mil habitantes no ano de 1872, quando foi realizado o censo. Em 1878
passou a ter mais de 130 mil. Muitos dos retirantes morriam nas veredas e
estradas. Os que alcançavam os centros urbanos chegavam à beira de um colapso e
impressionavam pela desnutrição.
A economia provincial, já enfraquecida pela crise do algodão,
sofre um impacto ainda maior. Os escravagistas vendem seus escravos para as
regiões ao sul do Brasil. Os rebanhos, além de sofrerem por fome e sede, eram
dizimados por doenças.
A flora e a fauna praticamente desaparecem; as lavouras
exterminadas; o povo morre de fome e de sede. Para completar o quadro de tragédia,
um surto de varíola dizima milhares de pessoas.
Enquanto a população sofria com a estiagem e a escassez de
água e alimentos, a burguesia e a nobreza local beneficiaram-se com a seca.
Caso de algumas casas comerciais, que viram seu lucro triplicar com a venda de
artigos de primeira necessidade.
Empresas de navegação também aproveitaram a situação para
lucrar, conduzindo flagelados para o Norte e o Sudeste. Joaquim da Cunha
Freire, o Barão de Ibiapaba, exportou escravos em seus navios lotados, a partir
de Fortaleza e Mossoró. Mulheres se prostituem em troca de comida,
multiplicam-se os casos de roubo, furto e estupros.
Evidentemente, a culpa disso tudo era atribuída aos pobres.
Autoridades, nobreza e burguesia que ficaram imunes a ação da tragédia, dizem
que essas tragédias se deviam a um “desvio de ordem moral da gente mestiça”,
que deveria ser enfrentada com forte repressão.
Em razão da situação calamitosa, o imperador Dom Pedro envia
para a região uma comissão de engenheiros. Eles determinam que sejam perfurados
poços, que se construam estradas de ferro e de rodagem e cacimbas, para
armazenamento de água. Soluções paliativas que não adiantaram em nada.
Para os que não tinham posse de gado, esse prejuízo trouxe
proporções maiores. Instalou-se a carência de alimentos nos mercados. O pouco
que restara aumenta exorbitantemente de preço.
Como naquela época as relações de comércio envolviam sempre
uma baixa remuneração, ou uma economia de troca de serviços e mercadoria, a
inflação nos alimentos tornou-se severa demais para os mais pobres. Foram eles,
evidentemente, os mais afetados pela seca, pois desapareceram as condições que
lhe permitiam sobreviver econômica e fisicamente.
Estima-se que mais de 500 mil pessoas tenham perecido
naqueles três anos de estiagem. A morte dos rebanhos significou diretamente a
perda de grande parte das posses dos senhores de terras e dos vaqueiros, o que
resultou num enorme prejuízo financeiro para região. Além disso, a perda de
animais dificultou por vários anos a circulação comercial e de pessoas, uma vez
que era através desses animais que se transportavam alimentos e pessoas.
Do Portal Vermelho, Humberto Alencar
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