Ana Clara não pode ver as gaivotas
Apontar os problemas vividos pelo Maranhão não é um
ato de desamor ao estado, e sim uma atitude cidadã, de quem tem a consciência
crítica para se contrapor ao ufanismo cego e reafirmar a paixão por uma terra
que merece dias melhores.
Neste final de semana, as redes sociais tem suscitado um debate
sobre o “amor” ao Maranhão e o elogio às belezas naturais do estado,
decantadas nos célebres versos de Gonçalves Dias. Até mesmo as gaivotas tem
sido motivo de polêmicas. Declarar “amor” ao Maranhão fica ainda mais
fácil para quem não enfrenta o cotidiano de dificuldades, vivido pela parcela
mais pobre da população deste estado, que mesmo merecedor de tanta
paixão por parte de quem teria condições de contribuir para tirá-lo das
ultimas posições nos indicadores sociais, agora também vive sitiado pela
violência.
Enquanto o debate sobre as gaivotas tomava conta das redes
sociais neste final de semana, onze assassinatos foram registrados
na região metropolitana de São Luís, considerada uma das 15 cidades com
maior número de taxas de homicídio do mundo. As estatísticas de 2014
seguem o mesmo ritmo dos anos anteriores e as mortes com características de
execução, vistas pelas autoridades policiais como resultante de acerto de
contas, crescem em uma progressão geométrica.
Os trabalhadores e usuários do sistema transporte coletivo da
capital vivem uma rotina de medo, com assaltos ocorrendo em plena luz do
dia e a violência no complexo penitenciário do Estado, onde o poder público
parece incapaz de tomar conta da situação, fez o Maranhão ganhar destaque
internacional e há tempos extrapola o muro dos presídios
Ana Clara fazia parte desta grande parcela de maranhenses que
também amam o estado onde vivem, andam de ônibus e residem em locais cujo
poder público só entra às vezes com a polícia e só lembra que existem,
em período eleitoral. Ela também queria ver gaivotas. Talvez tenha ido na
sua tenra idade às praias da ilha e contemplado a beleza natural da “Terra das
Palmeiras” mas teve a vida ceifada de maneira trágica por conta da crescente
onda de violência que atormenta a capital maranhense.
Infelizmente, por uma sucessão de acontecimentos que incluem a
omissão do Estado, Ana Clara não pode ver as gaivotas. Não poderá mais ir ao
Aracagy, ao Olho D´Agua e sua mãe Juliane ainda nem sabe disto. Anda nem sabe
que Ana Clara partiu. Ela segue na luta pela vida em
Brasília, por que nem mesmo a “saúde britânica” ,prometida como a oitava
maravilha do mundo na propaganda oficial do governo do Estado, teve
condições de prestar um atendimento mais qualificado as vítimas dos ataques a
ônibus ocorridos no dia 03 de janeiro.
A onda de ufanismo repentino gerou inclusive uma
campanha nas redes sociais com o slogan “ Eu Amo o Maranhão”, algo
semelhante ao que ocorreu no regime militar durante a época do “
Brasil, Ame-o ou deixe-o”. Mas toda essa paixão avassaladora pelo Maranhão
precisa ser canalizada em prol de de ações que contribuam
significativamente para a melhorar a situação vivida por grande parte da
população deste estado como as famílias de Ana Paula, de Márcio Ronny, que
inclusive cobram do poder público, a assistência anunciada aos
quatro ventos mas que nunca foi posta em prática.
Apontar os problemas vividos pelo Maranhão não é um ato de
desamor ao estado, e sim uma atitude cidadã de quem tem a consciência
crítica para se contrapor ao ufanismo cego e reafirmar a paixão por uma
terra que merece dias melhores. Não será escondendo debaixo do tapete as
mazelas deste estado que iremos construir as condições para que
situações como a tragédia de Ana Clara não se repitam e nossas crianças
cresçam com a expectativa de um futuro mais digno.
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